As violações de direitos humanos na perspectiva dos Pactos Internacionais, da Nova Agenda Urbana e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Autoria: Cristiano Muller, Karla Moroso, Nelson Saule Jr. e Henrique Frota

O ano de 2020 inaugurou um contexto de crise sanitária no mundo com a pandemia da COVID-19, um vírus extremamente agressivo e que já vitimou milhões de pessoas ao redor do mundo. Essa crise sanitária afeta diferentemente as pessoas e nações no mundo, dependendo do grau de justiça social e de vulnerabilidade verificadas. Isto, lamentavelmente, irá definir quem corre mais risco ou não de ser infectado pelo vírus e quem tem mais condições ou não de se proteger e garantir proteção à vida e à saúde. A desestruturação da política urbana no Brasil e um contexto de desmonte e retrocesso dos direitos humanos agrava mais ainda esse cenário. Assim, os sucessivos desmontes das políticas sociais e urbanas no Brasil seguem no mesmo ritmo verificado nos anos anteriores, em que se prioriza investimentos e uma agenda neoliberal contra a dignidade humana. É neste triste contexto que deverá ser monitorada a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS pelo Brasil. 

O Direito à Cidade encontra nos 17 ODS uma alternativa de monitoramento e implementação da política urbana no Brasil.

Fortalecidos com a construção de uma Nova Agenda Urbana das Nações Unidas, definida pela Declaração de Quito sobre cidades e assentamentos urbanos que foi debatida na Conferência Habitat III de 2016, os ODS tiveram como antecedentes a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, em Vancouver em 1976, e a de Istambul, em 1996, assim como a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2000. Seguem também fortalecidos desde as Resoluções e enunciados de direitos humanos, citando-se exemplificadamente os que seguem a seguir: 

                 Quando o estado brasileiro realiza despejos e deixa comunidades e coletivos de pessoas sem teto, viola a Resolução nº 2004/2841 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que diz que: “a prática de despejos forçados é [considerada] contrária as leis que estão em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos, e constituem uma grave violação de uma ampla gama de direitos humanos, em particular o direito à moradia adequada”.

Como importante antecedente a essa Resolução, temos o Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, que no seu parágrafo 16 prevê que: “os despejos não podem resultar na constituição de indivíduos sem casa ou vulneráveis a violações de outros direitos humanos. No caso da pessoa afetada ser incapaz de prover por si mesma uma alternativa, o Estado deve adotar todas as medidas apropriadas, ao máximo de seus recursos disponíveis, para assegurar que uma moradia alternativa adequada, reassentamento ou acesso à terra produtiva estejam disponíveis”.

                 Da mesma forma ocorre quando se verifica o descumprimento pelo Brasil do Comentário Geral nº 4 do Comitê DHESC das Nações Unidas, que estabelece as condições necessárias para a garantia da moradia adequada, quais sejam: Segurança da posse; Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; Custo acessível; Habitabilidade; Localização adequada e Adequação cultural.

Isso se torna mais claro ainda quando vemos que em Novembro de 2002, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais já havia formulado seu Comentário Geral n.º 15 sobre o direito à água afirmando que: “O direito humano à água prevê que todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos.” E em 28 de Julho de 2010 a Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução A/RES/64/292 declarou a água limpa e segura e o saneamento um direito humano essencial para gozar plenamente a vida e de todos os outros direitos humanos.

                 Por fim, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais preveem no seu art. 11 o que segue: §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível e vida adequada para si própria e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

                        No entanto, a crise sanitária demandou um posicionamento efetivo e muitos mais concreto dos organismos internacionais de direitos humanos frente aos estados e na perspectiva de garantia dos direitos humanos das populações vulneráveis. Por isso, os Relatores Especiais para os Direitos Humanos fizeram inúmeras manifestações e declarações no sentido de encorajar os países à garantia dos direitos humanos num contexto de pandemia, as quais foram totalmente ignoradas pelo Estado Brasileiro. Dessa forma se manifestou o Relator Especial para o Direito à Moradia das Nações Unidas para que o Brasil pare com os despejos. Além disso, efetuou a publicação de dois guias para implementação imediata:

  • COVID-19 Guidance Note: Protecting Residents of Informal Settlements
  • COVID-19 Guidance Note: Prohibition of Evictions

(…)

A partir então de um contexto brasileiro violador de direitos humanos, por conta da inflexão conservadora, e o franco retrocesso verificado na condução da política urbana que vai contra ao todo postulado pelos ODS, agravado ainda pela não observância das Diretrizes Internacionais de Direitos Humanos em Tempos de Pandemia, é possível identificar inúmeras violações aos direitos humanos cometidos pelo estado brasileiro no último período, os quais vêm acompanhados de recomendações no sentido de se buscar a reversão desse quadro.

Violações de Direitos Humanos pelo Estado Brasileiro e descumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS

A pandemia, aliada ao contexto de enormes desigualdades sociais e atuação insuficiente dos governos na proteção dos mais vulneráveis, trouxe impactos em vários dos direitos humanos e sociais. As violações de direitos identificadas no contexto da pandemia perpassam várias dimensões da vida das brasileiras e brasileiros, desde o direito à segurança alimentar, ao acesso à água, à saúde, ao trabalho, ao transporte público de qualidade, à uma vida livre de violência. Essas violações impactam diretamente a implementação dos ODS no Brasil, já tão afetada pela redução de investimentos públicos nas áreas sociais e pelo desmantelamento de políticas públicas nacionais.

Continue lendo sobre a análise com base no monitoramento e nos diálogos temáticos promovidos pela Articulação por Direitos na Pandemia, destacando as violações de direitos recomendações necessárias.


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