Os 11 pontos essenciais para construir políticas igualitárias nas cidades brasileiras fazem parte da Carta pelas Cidades, documento construído pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana e subscrito por entidades, movimentos sociais, organizações que lutaram, nos últimos anos, para garantir condições mínimas de dignidade de vida para milhões de brasileiras e brasileiros.
A Carta pelas Cidade foi entregue ao Governo de Transição do Presidente eleito Lula, que receberá um país depois de anos de uma política de morte conduzida por Jair Bolsonaro.
Considerando que mais de 85% da população brasileira vive hoje nas cidades, a atuação dos movimentos sociais e organizações que atuam nesses territórios e assumem o compromisso com uma agenda urbana se fez central.
Destacamos os frutos da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, realizada em São Paulo, em junho de 2022, e tomamos como base o documento “Plataforma de Lutas pelo Direito à Cidade”, que teve adesão de mais de 600 entidades de todos os estados do país.
Centenas de reivindicações foram levantadas, organizadas em 16 eixos temáticos e debatidas por quase 700 delegadas(os). Esse processo histórico afirmou a centralidade da pauta urbana na agenda de combate à desigualdade.
11 pontos essenciais
Conheça os 11 pontos essenciais que acreditamos que devem considerados para construção de políticas igualitárias e que promovam melhorias efetivas das condições de vida da população e nos territórios urbanos:
- Passados quatro anos de desmonte institucional, é fundamental a retomada do Ministério das Cidades e entendemos que uma gestão progressista neste Ministério, alinhada com as ideias e propostas que vêm sendo elaboradas pela sociedade civil, terá uma contribuição decisiva nesse momento histórico. Para tanto, entendemos ser de suma importância que a direção do Ministério esteja historicamente comprometida com a luta pelo direito à cidade, criando assim melhores condições para que esta agenda seja efetivamente implementada.
- Num país de dimensões continentais como o Brasil, a questão regional merece atenção devido à notável diversidade territorial cultural, econômica e ambiental. Pelo mesmo motivo, o sistema federativo deve ser levado em conta observando as competências constitucionais e a importância do poder local para a democracia participativa no território.
- Atuar ativamente na promoção de uma Mobilidade Urbana Sustentável e inclusiva. Urge a busca por formas de financiamento do transporte público, a partir do governo federal, como ocorre nos países de referência. Recursos públicos que sustentem a maior parte dos custos do transporte coletivo urbano são essenciais para se ter serviços atrativos, inclusivos e de alta qualidade, o que beneficia sobretudo os mais pobres. Essa política precisa vir junto de avanços de gestão, regulamentação, e da promoção dos modos ativos de deslocamento, como o que vem sendo trabalhado em propostas como a do Sistema Único de Mobilidade – SUM.
- Estabelecer programas estruturados e multissetoriais para as periferias, produzindo melhorias nos territórios onde vivem majoritariamente a população de menor renda, indígenas, negros, mulheres chefes de família e jovens em contexto urbano. Tais programas precisam adotar uma visão interseccional e reconhecer que cidades mais inclusivas e democráticas serão criadas apenas se as dimensões de raça e sexo/gênero forem incorporadas de forma indissociada na interpretação do fenômeno urbano. As melhorias infraestruturais, com destaque para o necessário avanço no saneamento e no acesso à água, precisam vir junto de políticas sociais, ambientais, de educação, cultura, esporte e lazer, em um esforço coordenado e integrado de diferentes áreas.
- Fazer com que a distribuição territorial dos orçamentos públicos seja feita com base no critério de vulnerabilidade socioeconômica. Implementar assistência técnica com programas de assessoria integrada.
- Criação imediata de uma comissão provisória encarregada de retomar e aprimorar o Sistema Participativo e composta por representações de segmentos sociais que compunham o Conselho Nacional das Cidades (com a devida atualização do formato, para que possamos avançar considerando o já construído em ciclos anteriores). Com relação à participação, defende-se um modelo em que haja participação ampla, efetiva e deliberativa da população, a partir dos territórios, na formulação, planejamento e controle da execução do orçamento e dos investimentos públicos e políticas sociais, buscando viabilizar o atendimento às regiões de maior necessidade.
- Retomar a produção de novas moradias, principalmente por autogestão e localizadas em áreas com boa infraestrutura. É fundamental o desenvolvimento de ações específicas para a população em situação de rua, considerando também as desigualdades de gênero, racial e população LGBTQIA+.
- Uma política habitacional não pode se restringir à produção de unidades habitacionais. Programas de melhorias habitacionais, urbanização de favelas e programas de regularização fundiária plena devem ser amplamente implementados, com uma concepção de não priorização da propriedade individual, mas sim na proteção de territórios onde deva ser garantido e protegido o direito à moradia. Assim, instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social precisam ser resgatados e valorizados.
- É fundamental o enfrentamento da questão dos despejos. A Campanha Despejo Zero desempenhou um papel fundamental na denúncia e na definição de estratégias para a confrontação do desfazimento de milhares de casas. Faz-se urgente a estruturação de uma política nacional de monitoramento e mediação de conflitos fundiários urbanos e a adoção apenas em último caso de medidas de desocupação para salvaguardar a dignidade, saúde e a segurança das famílias e os processos de negociação de forma coletiva.
- Adaptação das cidades para enfrentar a crise climática. Eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes nas cidades brasileiras e no mundo e precisamos de uma resposta rápida através de políticas efetivas e de proteção às populações mais vulneráveis aos impactos. É importante registrar que o impacto das mudanças e emergências climáticas é mais sentido pela população moradora das periferias, onde a precariedade habitacional e a carência de infraestrutura é reinante. São nesses locais onde há maior índice de violação de direitos fundamentais. As populações indígenas, negras e femininas são as mais atingidas, reforçando a prática de racismo ambiental. Esse esforço urgente passa também por políticas de redução das emissões e por políticas de adaptação e de proteção às populações mais vulneráveis aos impactos. Será necessário incorporar uma visão de desenvolvimento de baixo carbono nos modelos de planejamento e integrar políticas climáticas em diferentes níveis para que os municípios se adequem à nova realidade ao mesmo tempo em que possibilitem uma melhoria na qualidade de vida da população. Os regramentos de uso e ocupação do solo também precisam incorporar medidas que minimizem os impactos e de adaptação às mudanças climáticas, tais como a redução de taxas de impermeabilidade e a renaturalização de rios e canais. Dentre outros aspectos e fatores do bem viver, devemos construir, impulsionar, financiar e assegurar fortes, firmes e profundas políticas de estado e políticas sociais que assegurem a visibilidade, as demandas e os direitos dos povos indígenas que, por diversas razões históricas decorrentes da colonização e da invasão de seus territórios, vivem hoje, em sua grande maioria, em contexto urbano, nas zonas urbanas e periferias das grandes cidades.
- Valorizar o patrimônio cultural brasileiro de forma integrada com as políticas de desenvolvimento social, meio ambiente, moradia, assistência e direitos humanos, por meio da estruturação do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural.